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TAMANHO DA FONTE

Linguagem neutra: uma proposta de comunicação mais inclusiva e de combate aos preconceitos

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Apesar de a violência contra a comunidade LGBTQIA+ não terminar com a aplicação do gênero neutro na língua, há um movimento nacional para a neutralização de gênero no português brasileiro, com a utilização de elementos como “@”, “x”, “e”, “ê”, “es”, “le”, “elu”, “minhe”, entre outros, no momento de se referir a uma coletividade, sem priorizar os artigos que definem sexo masculino e/ou feminino. Essa seria a forma mais inclusiva, digamos, de abarcar uma quantidade maior de pessoas que, porventura, possa se autodenominar de forma diferenciada em relação aos gêneros.

A professora atuante na Faculdade de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (Fale/PPGL/UFPA) Fátima Pessoa reflete que esse movimento é expressão da relação inequívoca entre linguagem e sociedade. “O que testemunhamos, na atualidade, como defesa de formas linguísticas neutras ou não binárias em relação à referenciação de gênero social é um movimento legítimo pelo reconhecimento e pela expressão da pluralidade das experiências humanas”, afirma.

Segundo ela, a adoção de formas linguísticas neutras ou não binárias em relação à referenciação de gênero social afeta a constituição dos repertórios linguísticos dos usuários da língua portuguesa. “O que testemunhamos são configurações de novas possibilidades de expressão que alteram os usos habituais da língua, com potencial para gerar mudanças na sua estrutura, as quais ainda não somos capazes de determinar. Por essa razão, as pesquisas sobre esse fenômeno linguístico são relevantes”, observa.

Fátima Pessoa tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, especificamente em Análise do Discurso, atuando principalmente na interface linguagem, discurso e trabalho. Ela considera que as abordagens discursiva, sociolinguística, cognitiva e morfossintática dos estudos de linguagem, por exemplo, são fundamentais para a compreensão das motivações políticas e históricas para a emergência dessas formas, para a compreensão das suas condições de uso, para a compreensão dos seus efeitos na organização e no funcionamento do sistema linguístico, o que são todos processamentos de longo prazo.

Além disso, pesquisas sobre os mecanismos de referência ao gênero social nos enunciados e sua relação com a categoria de gênero gramatical são igualmente elucidativas. A professora esclarece que a atual relevância desse processo no âmbito linguístico está em entender como se imprimem, nas práticas discursivas cotidianas,  os traços da diversidade e a complexidade das dinâmicas sociais e seus possíveis desdobramentos na organização e no funcionamento das línguas.

Isso quer dizer que a definição das melhores formas para utilizar a linguagem neutra ou não binária não é prerrogativa de linguistas, de professores de língua portuguesa ou de qualquer pessoa que se ocupe dos fenômenos de linguagem e de sua relação com os fenômenos sociais. “São as recorrências desses usos nos repertórios linguísticos dos usuários da língua portuguesa que apontarão para a consolidação dos novos recursos de expressão ou para o seu abandono”, destaca Pessoa.

Experiência sociopolítica – Já é possível reconhecer, no entanto, em algumas discussões, os limites de algumas experimentações, como o uso do “x” ou do “@” na modalidade escrita, e os alcances de outras formas, como a adoção da vogal “-e” para neutralizar a referência ao gênero social nos enunciados em língua portuguesa. “Trata-se de enfrentamentos contra a invisibilidade das experiências humanas plurais e de reconhecimento da necessidade de acolhimento dessa pluralidade”, diz a pesquisadora.

“Esse uso não se realiza, portanto, por imposição, mas pelo convencimento de que as mudanças nas dinâmicas sociais são necessárias para experiências plenas de sentido. São as experiências coletivas e dialógicas que orientam para essa tomada de posição. Não é possível desconsiderar, enfim, que as  diferentes formas de ser, estar no mundo e dizer o mundo encontram resistência e dão a esse uso o caráter de enfrentamento para a consolidação das mudanças embrionárias”, continua Fátima.

Possibilidades – Sobre a importância de discutir, no meio acadêmico, essa inclusão, a pesquisadora considera que, em razão da incontornável relação entre linguagem e sociedade, todos os processos de transformação social são relevantes para os estudos linguísticos e literários. “Todos eles afetam as possibilidades de produção de conhecimento sobre as práticas discursivas cotidianas e sobre as relações de poder que, por meio delas, oprimem ou emancipam os sujeitos”.

E conclui: “Aquilo que a academia tem a dizer sobre as estruturas das línguas, sobre seu funcionamento, sobre suas práticas discursivas também afeta as dinâmicas sociais. Portanto a discussão sobre as formas e os usos de uma linguagem neutra ou não binária em relação à referenciação de gênero social é parte integrante de um abrangente movimento sociopolítico de combate aos preconceitos e aos silenciamentos”.

Texto: Jéssica Souza – Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA
Arte: Assessoria de Comunicação Institucional da UFPA

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